Resistência - Affinity Konar

Título original: Mischling
Autora: Affinity Koar
Editora: Fábrica 231
Páginas: 319


"Tarde da noite, quando Pearl dormia profundamente, com a consciência a uma distância segura da minha, eu pensava naqueles minúsculos pedaços de mim e imaginava se nossos sentimentos permaneciam neles, apesar de serem meras partículas. Imaginava se os pedaços se detestavam por participarem daquelas experiências. Achava que sim. E desejava dizer para eles que não tinham culpa, que não era uma colaboração voluntária, que tinham sido sequestrados, coagidos, que tinham sofrido isso. Mas então entendi que tinha pouca influência sobre esses pedaços - depois de serem tirados, só atendiam à natureza e à ciência, e ao homem que dizia ser nosso Tio. Não podia fazer nada pelo bem desses numerosos e minúsculos pedaços."


No começo da história, somos apresentadas a Pearl e Stasha, duas irmãs gêmeas, de doze anos, com seu avô e sua mãe num vagão onde antigamente se transportava gado. Eles estão a caminho dos campos, onde prometeram-lhes que havia uma vida melhor e trabalho. Durante a viagem, as irmãs tentavam aplacar a fome lambendo uma cebola. Sim, lambendo, pois, se a mordessem e mastigassem, ela acabaria logo e elas continuariam com fome.
Ao chegarem ao seu lugar de destino, chamado Auschwitz, todos são recepcionados por uma música alegre, guardas cruéis e uma figura muito simpática, sorridente e toda de branco que, na visão das meninas, parecia um anjo numa terra estranha.
Logo na chegada as irmãs foram separadas de seu avô e sua mãe. Enquanto eles iriam para outro local, elas ficariam ali com o anjo sorridente que insistia em ser chamado de “Tio”. Ele e seus guardas separavam todos os filhos gêmeos de seus pais e as crianças iam todas para um lugar ao qual se referiam como zoológico. No entanto, essas crianças, dizia o Tio, eram especiais e, sendo assim, elas recebiam um tratamento e rações de comida um pouco melhores que os demais no campo. Mas era apenas um pouco.
Esse tratamento e a constante presença sorridente do Tio, sempre brincando com elas, sendo gentil e tentando agradá-las, fez com que ambas pensassem que elas e todos os gêmeos ali, por algum motivo, eram especiais. E eram mesmo. Mas não como elas imaginavam.
Antes de continuar a resenha, deixem-me apresenta-los ao Tio propriamente: seu nome era Josef Mengele.
Por todo o tempo em que estiveram no zoológico, Pearl e Stasha, e todas as outras crianças, eram sujeitas às mais perversas experiências de Mengele. Ele tinha a ideia fixa de que crianças gêmeas eram diferentes das outras pessoas “normais” e, com suas experiências, tentava descobrir quais eram os segredos de seu DNA. Tais experiências consistiam em jogar água fervente no ouvido dessas crianças, pingar soluções venenosas em seus olhos para cegá-las, costurar gêmeos um ao outro, pelas costas, apenas para ver o que acontecia e muitas outras atrocidades.
Pra mim, a narrativa se divide entre dois mundos: o mundo de Mengele e suas experiências, e o mundo criado por Pearl e Stasha.
As gêmeas sempre sentiam e pensavam as mesmas coisas, tanto que eram capazes de, frequentemente, adivinhar o pensamento, sentir a dor e completarem frases uma da outra. Nos primeiros dias em Auschwitz, elas mantiveram essa ligação. No entanto, depois de algum tempo, tornou-se muito difícil para Pearl não notar o mundo de Mengele e perceber o quanto a realidade era cruel à sua volta. Não sabemos ao certo o que Mengele fez com ela, mas a cada dia ela definhava e começava a ter a aparência de quem estava prestes a morrer.
Stasha também tinha sua parte de sofrimento. Assim como a irmã, ela era frequentemente levada ao laboratório do Tio para satisfazer suas perversidades. No entanto, ao contrário de Pearl, quanto mais ela via a crueldade ao seu redor, mais ela fugia para dentro de si e se escondia em seu mundo particular, onde ela tinha explicação para todas as coisas e planejava seu futuro.
À sua maneira, cada uma precisou desenvolver uma força de vontade muito grande para continuar vivendo no zoológico até que a guerra acabasse.

Eu sempre fui muito interessada a tudo o que diz respeito às Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Leio e assisto a tudo o que aparece sobre esse assunto e sempre me emociono muito com relatos de sobreviventes.
Até mesmo quando o livro é de ficção, eu consigo me emocionar. No entanto, não foi esse o caso com Resistência. Claro que me emocionei com os relatos de horror da narrativa, mas não me conectei à história, nem aos personagens.
A autora quis escrever um livro sobre o que acontecia nos campos de concentração e, ao mesmo tempo, acrescentar a poesia à sua escrita. O livro tem capítulos alternados entre as perspectivas de Pearl e Stasha, e nós podemos perceber mais claramente essa intenção da autora quando a história é narrada por Stasha. O problema é que eu não fui convencida.
Eu bem sei que é verdadeira essa ligação entre gêmeos, que às vezes um é mesmo capaz de sentir a dor do outro, que podem ficar doentes da mesma forma ao mesmo tempo e coisas desse tipo. Porém, pra mim, a dependência de Stasha em relação a Pearl foi exagerada. Nem mesmo eu “vestindo minha capa de criança de doze anos” e tentando ver o cenário e a situação por essa perspectiva, eu consegui engolir essa dependência. Pearl era bem diferente nesse aspecto e às vezes chegava até a se irritar com a irmã por causa disso. E foi justamente Stasha quem não me permitiu gostar mais do livro.
Eu entendi a intenção da autora, mas acho que ela poderia ter explorado esse personagem de uma maneira melhor, mais verossímil.
Mas meu descontentamento com a personagem não me impediu de gostar do livro e de recomendá-lo a vocês.
Se você é fã desse tipo de literatura, Resistência é mais um título que precisa estar na sua estante.


Ps: Pra quem se interessa e ainda não viu, há um documentário do History Channel sobre Mengele. Para assisti-lo, basta clicar aqui. Sua loucura era tanta que, dos cerca de 3 mil gêmeos que entraram em Auschwitz, apenas 183 sobreviveram.


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